Barragem
ameaça oásis ambiental chinês
ANDREW JACOBS
DO
"NEW YORK TIMES", EM BINGZHONGLUO, CHINA
Desde suas origens como um riacho cristalino que brota de
uma geleira no Himalaia tibetano, até seus meandros largos e lamacentos pelas
selvas de Mianmar, o rio Nu é um dos mais naturais da Ásia, com seu curso de
2.700 km correndo livremente em direção ao mar de Andaman.
Mas os dias do Nu como um dos últimos rios de curso livre da
região estão terminando. O governo chinês surpreendeu ambientalistas este ano
ao reavivar planos de construir usinas hidrelétricas em áreas remotas do curso
superior do Nu, o centro de um Patrimônio Mundial da Unesco na província de
Yunnan, sudoeste da China, que se classifica entre os lugares ecologicamente
mais diversificados e frágeis do mundo.
Os críticos dizem que o projeto obrigará a remanejar dezenas
de milhares de minorias étnicas nos planaltos de Yunnan e destruirá os campos
de desova de dezenas de espécies de peixes ameaçadas. Geólogos advertem que
construir barragens em uma região com atividade sísmica poderá ameaçar os que
vivem rio abaixo. No mês que vem, a Unesco discutirá se inclui a área em sua
lista de lugares ameaçados.
Entre os maiores perdedores poderão estar milhões de
agricultores e pescadores do outro lado da fronteira, em Mianmar e na
Tailândia, cuja subsistência depende do Salween, como o rio é chamado no
Sudeste Asiático. "Estamos falando sobre uma cascata de barragens que vão
alterar fundamentalmente os ecossistemas e recursos das comunidades
ribeirinhas, que dependem do rio", disse Katy Yan, coordenadora de
programa na China da International Rivers, um grupo de defensores da natureza.
Suspenso em 2004 pelo então primeiro-ministro Wen Jiabao e
ressuscitado depois de sua aposentadoria em março, o projeto está aumentando as
tensões regionais sobre os planos de Pequim de represar ou desviar diversos
rios que correm da China para outros países sedentos e desejosos de reforçar o
crescimento econômico e reduzir sua dependência do carvão.
Segundo o último plano energético, o governo chinês pretende
iniciar a construção de cerca de 36 projetos de hidrelétricas.
A China foi de modo geral apática diante das preocupações de
seus vizinhos, como Índia, Cazaquistão, Mianmar, Rússia e Vietnã. Desde 1997
ela se recusou a assinar um tratado de compartilhamento hídrico da ONU.
"Lutar por cada gota de água ou morrer" é como o ex-ministro de
recursos hídricos da China, Wang Shucheng, descreveu certa vez a política
hídrica do país.
Em Bingzhongluo, as pessoas que dão valor à beleza cor de
jade do Nu dizem que as quatro barragens propostas em Yunnan e uma em
construção no Tibete modificariam de maneira irrevogável o que os guias
turísticos chamam de o Grande Cânion do Oriente. Um profundo desfiladeiro com
600 quilômetros de comprimento, forrado de florestas densas, a área abriga
aproximadamente a metade das espécies animais da China, muitas delas em perigo.
Dependuradas nos picos alpinos há aldeias envoltas em
neblina cujos moradores pertencem às mais de dez tribos indígenas da área, a
maioria delas com línguas próprias. "O projeto será bom para o governo
local, mas um desastre para os moradores", disse Wan Li, 42, que em 2003
deixou a capital da província, Kunming, para abrir um albergue da juventude
aqui. "Eles perderão sua cultura, suas tradições e seu ganha-pão, e
ficaremos com um reservatório tranquilo e sem vida."
Os ambientalistas ficaram desanimados com a destruição de
vários rios da China. O Ministério de Recursos Hídricos divulgou uma pesquisa
em março que diz que 23 mil rios desapareceram e muitos dos rios mais
históricos do país estão poluídos. "Por que a China não pode ter apenas um
rio que não seja destruído pelas pessoas?", perguntou Wang Yongchen, um
ambientalista de Pequim que visitou a área dezenas de vezes.
Alguns especialistas dizem que a China tem pouca opção além
de avançar com as barragens no Nu, diante das necessidades vorazes de energia
do país e uma dependência excessiva do carvão que contribuiu para níveis
recordes de poluição em Pequim e outras cidades do norte.
Mas muitos ambientalistas rejeitam a afirmação do governo de
que a energia hidrelétrica é "energia verde", notando que os
reservatórios criados pelas barragens engolem enormes quantidades de florestas
e campos.
Enquanto líderes locais relutam em falar sobre planos de
relocação, que poderão afetar até 60 mil pessoas, eles trabalharam para
divulgar o projeto como um presente que vai aliviar a pobreza.
Yu Shangping, 26, um agricultor de Chala, aldeia próxima do
rio Nu, é contra a ideia de que ele e seus vizinhos são pobres, dizendo que a
terra e o rio suprem quase todas as suas necessidades. "Nós trabalhamos
duro para construir este lugar", ele disse, "mas quando o governo
quer construir uma barragem, não há nada que se possa fazer."
Colaboração de Patrick Zuo.
Tomado de folhia de san pablo br
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